XXII Domingo do Tempo Comum: «Pois todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.»

2006

I. A PALAVRA DE DEUS

Eclo 3,19-21.30-31 (gr. 17 -18.20.28-29): Sê humilde e encontrarás graça diante do Senhor.

19Filho, realiza teus trabalhos com mansidão e serás amado mais do que um homem generoso. 20Na medida em que fores grande, deverás praticar a humildade, e assim encontrarás graça diante do Senhor. Muitos são altaneiros e ilustres, mas é aos humildes que ele revela seus mistérios.

21Pois grande é o poder do Senhor, mas ele é glorificado pelos humildes. 30Para o mal do orgulhoso não existe remédio, pois uma planta de pecado está enraizada nele, e ele não compreende. 31O homem inteligente reflete sobre as palavras dos sábios, e com ouvido atento deseja a sabedoria.

Sl 67, 4-5ac.6-7ab.10-11: Com carinho preparastes uma mesa para o pobre. 

4Os justos se alegram na presença do Senhor
rejubilam satisfeitos e exultam de alegria!
5aCantai a Deus, a Deus louvai,cantai um salmo a seu nome!
5co seu nome é Senhor: exultai diante dele!

6Dos órfãos ele é pai, e das viúvas protetor:
é assim o nosso Deus em sua santa habitação.
7aÉ o Senhor quem dá abrigo, dá um lar aos deserdados,
7bquem liberta os prisioneiros e os sacia com fartura.

10Derramastes lá do alto uma chuva generosa,
e vossa terra, vossa herança, já cansada, renovastes;
11e ali vosso rebanho encontrou sua morada;
com carinho preparastes essa terra para o pobre.

Hb 12,18-19.22-24ª: Vós vos aproximastes do monte Sião e da cidade do Deus vivo.

Irmãos:
18Vós não vos aproximastes de uma realidade palpável: ‘fogo ardente e escuridão, trevas e tempestade, 19som da trombeta e voz poderosa’, que os ouvintes suplicaram não continuasse.

22Mas vós vos aproximastes do monte Sião e da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste; da reunião festiva de milhões de anjos;
23da assembléia dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus; de Deus, o Juiz de todos; dos espíritos dos justos, que chegaram à perfeição; 24ade Jesus, mediador da nova aliança.

Evangelho – Lc 14,1.7-14: Quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado.

1Aconteceu que, num dia de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus. E eles o observavam. 7Jesus notou como os convidados escolhiam os primeiros lugares. Então contou-lhes uma parábola:

8‘Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu, 9e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: ‘Dá o lugar a ele’. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar.

10Mas, quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: ‘Amigo, vem mais para cima’. E isto vai ser uma honra para ti diante de todos os convidados. 11Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado.’

12E disse também a quem o tinha convidado:

– ‘Quando tu deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos. Pois estes poderiam também convidar-te e isto já seria a tua recompensa.

13Pelo contrário, quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. 14Então tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos.’

II. COMENTÁRIOS

É sábado, dia do descanso judeu. O Senhor Jesus continua em sua marcha para Jerusalém. Em algum povoado do caminho é convidado a ir à casa de «um dos chefes dos fariseus para comer». O Evangelista não explicita o motivo do convite, mas nos diz que lá na casa do fariseu «eles o observavam». Quem é este que alvoroça o povo com seus ensinamentos e seus milagres? É um enviado de Deus, ou um impostor? Sem dúvida queriam saber quem Ele era, conhecer sua doutrina, examiná-la a fundo.

Mas os fariseus não são os únicos que observam. Também o Senhor observa. Observa não para criticar ou desqualificar, mas para educar, para ensinar, para ajudar, para admoestar. O que observa? Que os fariseus que foram chegando para o jantar gostavam de colocar-se nos postos de maior honra. Observa, no fundo, seu afã por serem considerados importantes, de serem enaltecidos, de serem reconhecidos por outros e tratados com privilégios.

A cena permite que o Senhor pronuncie uma parábola com uma dupla finalidade: convidar à humildade e advertir sobre o critério que Deus usará ao final dos tempos para determinar quem merecerá os lugares de maior honra.

O Senhor propõe o seguinte critério: «Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar». Pois quem busca sentar-se no lugar principal sem que lhe corresponda, expõe-se a ser envergonhado publicamente quando o anfitrião lhe pedir que ceda seu lugar a um hóspede de mais categoria que ele. Para cúmulo da vergonha, terá que ir ocupar o «último lugar», já que todos os outros lugares já estão ocupados.

O Senhor convida os que se movem pela vaidade e soberba a serem modestos e humildes, propondo-lhes um argumento sensato. Se forem inteligentes, não devem expor-se àquilo que tanto temem: ser envergonhados e humilhados publicamente. O sábio é escolher um lugar humilde, ou melhor, o sábio é ser humilde. Parece contraditório, mas é justamente quem não procura a grandeza que será enaltecido por aquele que o convidou. Exaltar-se a si mesmo, tomar para si lugares importantes e privilegiados inclusive pisando nos outros, é pura ilusão de grandeza. Cedo ou tarde quem costuma exaltar a si mesmo ficará terrivelmente humilhado.

Também nesta parábola o banquete de bodas representa o Reino de Deus. O Senhor dá a entender aos fariseus que os postos de honra no Reino dos Céus não são para os que acreditam ter privilégios, para os soberbos e vaidosos, mas para os humildes e puros de coração. Se querem entrar no Reino dos Céus e alcançar postos de honra, devem mudar de mentalidade e atitude.

Terminada a parábola e a primeira lição, o Senhor propõe a seu anfitrião algo extremamente radical: preparar um banquete e convidar não os que possam retribuir com outro banquete, mas a quem será incapaz de fazê-lo: pobres, cegos, aleijados. Se agir assim, certamente ficará sem retribuição nesta vida, mas o Senhor lhes garante que estes mesmos lhe pagarão «na ressurreição dos justos». A retribuição, na realidade, virá de Deus mesmo, que o fará ingressar no banquete do Reino eterno e que finalmente dará a cada um o lugar que merece. Ele é quem, finalmente, derrubará aos potentados de seus tronos e exaltará os humildes (Ver Lc 1, 52).

O Senhor Jesus convida os que O escutam a aproximar-se de Deus e a aproximar-se também de seu Enviado, o «Mediador da nova Aliança» entre Deus e os homens (2ª. leitura). Ele é o Modelo de como fazer-se o último e servo de todos (Ver Mt 20, 26-28). Quem como Ele se “abaixa” para servir e elevar a outros, não só alcançará «o favor de Deus» na ressurreição futura, mas também será querido nesta vida «mais do que um homem generoso» (1ª. leitura).

III. LUZES PARA A VIDA CRISTÃ

Costuma acontecer que em nossas relações com os outros entre em jogo aquele mesmo mecanismo que motivou os convidados do jantar a procurar os primeiros lugares: pomos “máscaras”, fingimos coisas que não somos, exageramos coisas que fizemos ou inventamos outras para chamar a atenção, exaltamos nossas virtudes e escondemos nossos defeitos, fazemos coisas que sabemos que estão mal para sermos aceitos pelos outros, chamamos a atenção com gestos ou formas de vestir, ostentamos vaidosamente nossa aparência ou os bens que temos para nos sentirmos “mais”, procuramos ter êxito e sobressair em tudo o que possamos para colher a glória humana, ou também nos calamos quando temos que defender a verdade por medo de “perder o lugar”. Enfim, cada um, consciente ou inconscientemente, atua em não poucas ocasiões movido por esse afã de ser enaltecido, de ser bem considerado pelo resto, de estar perto de pessoas importantes para nos sentirmos importantes nós mesmos.

É interessante observar que o Senhor não nega a aspiração à grandeza, a sermos enaltecidos, pois Deus mesmo pôs no coração humano esse desejo para que lute para conquistar a verdadeira glória e grandeza. O que o Senhor faz é mostrar o caminho pelo qual cada um será verdadeiramente enaltecido, “elevado”, engrandecido. A verdadeira grandeza humana não é alcançada pelo vaidoso, nem pelo soberbo, nem pelo que se crê mais que os outros por ser importante ou estar perto de pessoas importantes, mas pelo humilde, que em tudo procede com simplicidade, que mesmo sendo uma pessoa muito importante se rebaixa para servir e elevar os outros.

Para alcançar a verdadeira grandeza humana, para sermos enaltecidos autenticamente, a virtude da humildade é essencial em nossas vidas. A humildade é o fundamento de todas as demais virtudes, ela é a mais importante de todas. Se não tivermos humildade, não teremos nenhuma outra virtude. Quer uma breve definição do que é a humildade? “Humildade é andar na verdade”, dizia Santa Teresa, quer dizer, não se considerar mais do que os outros, mas tampouco menos do que você é verdadeiramente, pois assim como não se deve aparentar ser mais ou acreditar-se superior aos outros, tampouco deve-se aparentar ser menos ou pensar que nada valemos.

Para descobrir quem sou e qual é meu verdadeiro valor é necessário conhecer-me a mim mesmo à luz do Senhor Jesus, aprender a olhar-me com os olhos com que Ele me olha. Só se conhece e se valoriza retamente a si mesmo quem conhece e ama o Senhor, porque Ele “revela o homem ao próprio homem” (Gaudium et spes, 21). Em Cristo descobriremos a verdade sobre nós mesmos e Dele aprenderemos a sermos verdadeiramente humildes.

IV. PADRES DA IGREJA

«Se soubéssemos com clareza qual é o lugar que Deus tem para cada um, deveríamos concordar com essa verdade, sem nos colocarmos jamais nem por cima nem por debaixo deste lugar. Mas no estado em que nos encontramos, os decretos de Deus se nos apresentam envoltos em trevas, e sua vontade permanece oculta. É, pois, segundo o conselho de quem é a própria Verdade, muito mais seguro escolher o último lugar de onde nos tirará, em seguida, honrando-nos com outro melhor. Se pretendes passar por uma porta, cujo travessão é excessivamente baixo, em nada te prejudicarás por mais que te inclines; prejudicar-te-ás, porém, se te ergueres mesmo que não seja mais que um dedo sobre a altura da porta, de modo que darás uma cabeçada e romperás a cabeça. Por isso, não se deve temer absolutamente uma humilhação por maior que seja, mas temos que ter grande horror e temor ao mais mínimo movimento de temerária presunção.» São Bernardo

«Não te atrevas a te comparar com os que são superiores ou inferiores a ti, não te compares com alguns nem sequer com um apenas. Porque acaso sabe você, ó homem, se aquele a quem considera como o mais vil e miserável de todos, acaso sabes, insisto, se, mercê de uma mudança operada pela mão direita do Altíssimo, ele não chegará a ser em si mesmo melhor que você e que outros, ou se já o é ao olhar de Deus? Por isso o Senhor quis que escolhêssemos não um lugar médio, nem o penúltimo nem sequer um dos últimos, mas sim disse: «vai tomar o último lugar» de modo que só você seja o último dos comensais, e não te prefira, nem mesmo ouses te comparar, a ninguém.» São Bernardo

«Era conveniente a todos ocupar o último lugar nos convites, segundo o que manda o Senhor. Mas querer voltar com obstinação ao mesmo lugar é digno de repreensão, porque altera a ordem e produz tumulto. Por isso uma questão sobre isto os igualará com os que disputam o primeiro lugar. Portanto, como aqui diz o Senhor, convém que quem convida estabeleça a ordem que cada um deve guardar na mesa. E assim nos suportaremos mutuamente com paciência ou com caridade, agindo honestamente em tudo e segundo a ordem, não segundo a aparência ou a ostentação de muitos. Nem devemos manifestar que praticamos a humildade ou que a afetamos por violenta contradição, mas sim que a praticamos por condescendência ou por paciência. Maior indício de soberba é a repugnância ou a contradição que ocupar o primeiro lugar quando o fazemos por obediência.» São Basílio

«Não proíbe como um delito que se convide os irmãos, os amigos e os ricos, mas manifesta que, como os outros comércios da necessidade humana, isso de nada nos aproveita para obter a salvação. Por isso acrescenta: “Que eles não voltem para convidar e lhe paguem isso”. Não diz que se pecará. E isto se parece com o que diz em outro lugar (Lc 6,33): “E se fazei o bem aos que vo-lo fazem, que graça alcançais?” Há também certos convites de irmãos e de vizinhos, que não só não produzem benefício na presente vida, mas também expõem à condenação na outra. Aqueles, por exemplo, que se celebram rateando as despesas por todos, ou em que cada um paga com outro convite e nos quais se convém em fazer algo mau, excitando-se muitas vezes as paixões pelo excesso na bebida.» São Beda

V. CATECISMO DA IGREJA

Chamados a viver a humildade

2540     A inveja representa uma das formas de tristeza e, portanto, uma recusa da caridade; o batizado lutará contra ela mediante a benevolência. A inveja provém muitas vezes do orgulho o batizado se exercitará no caminho da humildade:

2559 “A oração é a elevação da alma a Deus ou o pedido a Deus dos bens convenientes. De onde falamos nós, ao rezar? Das alturas de nosso orgulho e vontade própria, ou das “profundezas” (Sl 130,1) de um coração humilde e contrito? Quem se humilha será exaltado (ver Lc 18, 9-14). A humildade é o fundamento da oração. “Nem sabemos o que seja conveniente pedir” (Rm 8,26). A humildade é a disposição para receber gratuitamente o dom da oração; o homem é um mendigo de Deus. (Santo Agostinho)

VI. OUTRAS REFLEXÕES DA ESPIRITUALIDADE SODALITE[1]

+  Uma palavra do Santo Padre:

«Na tradição bíblica, o Filho do Homem é aquele que recebe de Deus «o poder, a glória e o reino» (Dan 7, 14). Jesus enche de novo sentido esta imagem, especificando que Ele tem o poder enquanto servo, a glória, enquanto se rebaixa, a autoridade real enquanto disponível ao dom total da vida. Com efeito, é com a sua paixão e morte que conquista o último lugar, alcança sua maior grandeza com o serviço, e com a entrega como dom a sua Igreja.

Há uma incompatibilidade entre o modo de conceber o poder segundo critérios mundanos e o serviço humilde que deveria caracterizar a autoridade segundo o ensinamento e o exemplo de Jesus; incompatibilidade entre ambições e carreirismo e o seguimento de Cristo; incompatibilidade entre honras, sucesso, fama, triunfos terrenos e a lógica de Cristo crucificado. Ao contrário, há compatibilidade entre Jesus «que sabe o que é sofrer» e o nosso sofrimento. Assim no-lo recorda a Carta aos Hebreus, que apresenta Cristo como o Sumo Sacerdote que compartilha a nossa condição humana em tudo, exceto no pecado: «de fato, não temos um Sumo Sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, pois Ele foi provado em tudo como nós, exceto no pecado» (4, 15). Jesus exerce, essencialmente, um sacerdócio de misericórdia e compaixão. Experimentou diretamente as nossas dificuldades, conhece a partir de dentro a nossa condição humana; o fato de não ter experimentado o pecado não O impede de compreender os pecadores. A sua glória não é a da ambição ou da sede de domínio, mas a glória de amar os homens, assumir e compartilhar a sua fraqueza e oferecer-lhes a graça que cura, acompanhá-los com ternura infinita, acompanhá-los no seu caminho atribulado.

Cada um de nós, como batizado, participa do sacerdócio de Cristo; os fiéis leigos do sacerdócio comum, os sacerdotes do sacerdócio ministerial. Assim, todos podemos receber a caridade que brota de seu Coração aberto, tanto por nós como pelos outros: chegando a ser «canais» de seu amor, de sua compaixão, especialmente com os que sofrem, os que estão angustiados, os que perderam a esperança ou estão sozinhos».

Papa Francisco. Homilia 18 de outubro de 2015 na missa de canonização de Vicente Grossi, Maria da Imaculada Conceição e Luis Martin e Maria Azelia Guérin. 

Vivamos nosso Domingo ao longo da semana

  1. Humildade é andar na verdade. Como vivo a humildade em minha vida cotidiana? Sou humilde? O que me falta para viver esta virtude?
  1. A quem convidaria para um banquete? Quando ajudo alguém, procuro que ele me retribua o favor? Sou generoso e desinteressado?

[1] Vide estudo completo no blog Razones para Creer.

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