O nosso peregrinar neste ano da misericórdia

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Depois de ler alguns livros e textos do Papa sobre a Misericórdia, me vi na necessidade de escrever um pequeno texto para a minha melhor compreensão sobre este tema, quiçá, também, possa ajudar para outros saberem mais o que significa este tema e este Ano Santo. Certamente, sugiro com carinho a leitura e meditação do material que a Santa Mãe Igreja nos propõe para este Ano. Misericordiae Vultus é o nome da Bula Pontifícia com a qual foi proclamado o Jubileu extraordinário da Misericórdia, pelo Papa Francisco. O nome quer dizer “a Aparência, o Rosto da Misericórdia”. A Bula é um pequeno texto que descreve sobre um tema. Por exemplo existe a bula de medicamentos. No caso das Bulas Pontifícias, a mais antiga que se conhece é a do Papa Agapito I no ano de 535. Para os católicos, esta proclamação é um convite para fixar mais intensamente o seu olhar na Misericórdia. Como diz a própria MV “Chegou de novo, para a Igreja, o tempo de assumir o anúncio jubiloso do perdão. É tempo de regresso ao essencial, para cuidar das fraquezas e dificuldades dos nossos irmãos”.[1] “A Igreja vive uma vida autêntica quando professa e proclama a misericórdia”.[2] O Ano Santo começou no dia 8/12/2015 e termina no dia 20/11/2016 -Festa de Cristo Rei-.

Definições da Palavra MISERICÓRDIA

Misericórdia é a junção de duas palavras em latim: miseratio (compaixão) e cordis (coração). Assim, pode-se entender literalmente, como “coração compadecido”. O Papa Francisco a define a Misericórdia como: “abrir o coração ao miserável”.

Quem é misericordioso? Sabemos que “Deus é misericordioso”, embora este conceito apareça em várias religiões, incluindo Cristianismo, Judaísmo e também no Islamismo, para os católicos, o Deus misericordioso se fez carne, encarnando-se no seio da Virgem Maria, Ele é o Rosto misericordioso do Pai, pois a imagem do Deus misericordioso é o próprio Jesus.[3]

Na MV num. 2 encontramos as seguintes definições sobre Misericórdia: “é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade; é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro; é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida; é o caminho que une Deus e o homem”.

No livro ‘O nome de Deus é Misericórdia’, o Papa nos ajuda a compreender melhor: “Misericórdia é algo difícil de entender: (não apaga os pecados), porque o que apaga os pecados é o perdão de Deus. Mas a Misericórdia é a maneira com a qual Deus perdoa”.[4] (…) “Deus perdoa não com um decreto, mas com um gesto de carinho”.[5] Então, vemos que a Misericórdia é a maneira com a qual Deus perdoa e ele perdoa com gestos de carinho.

As Obras de Misericórdia

Na mensagem para a Quaresma, o Papa nos diz: “A misericórdia de Deus transforma o coração do homem e faz-lhe experimentar um amor fiel, tornando-o assim, por sua vez, capaz de misericórdia”. Para isso devemos ser conscientes, -antes de querer realizar obras de misericórdia- que a pessoa deve abrir-se à misericórdia de Deus, como nos fala o Papa Francisco no livro: “O primeiro e único passo que necessitamos para experimentar a misericórdia, é reconhecer que necessitamos de misericórdia”.[6] Ou seja, vemos aqui um ensinamento claro sobre como devemos proceder para sermos homens e mulheres misericordiosos. A misericórdia, não é uma mera filantropia, e sim a vivência da caridade. Ser misericordiosos é ser caridosos, para isso devemos deixar que a misericórdia de Deus toque nossas vidas, e depois devemos reconhecê-la em nossas vidas, e como a nossa existência necessita dela. Só assim poderemos sair ao encontro dos demais transmitindo misericórdia.

Na MV o Santo Padre nos propõe a vivência das tradicionais obras de misericórdia corporais e espirituais: “Redescubramos as obras de misericórdia corporal: dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, vestir aos nus, acolher os peregrinos, dar assistência aos enfermos, visitar aos presos, enterrar os mortos. E não esqueçamos as obras de misericórdia espiritual: aconselhar os indecisos, ensinar os ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência as pessoas molestas, rezar a Deus pelos vivos e defuntos”.[7]

As obras de misericórdia recordam-nos que a nossa fé se traduz em atos concretos e quotidianos, pois “a fé sem obras é morta”.[8] Na Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma deste ano de 2016, ‘Prefiro a misericórdia ao sacrifício’, ele nos diz: “o povo cristão tem que refletir, durante o Jubileu, sobre as obras de misericórdia corporal e espiritual. Será uma maneira de acordar a nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, e de entrar cada vez mais no coração do Evangelho” (…) “Se, por meio das obras corporais, tocamos a carne de Cristo nos irmãos e irmãs necessitados de ser nutridos, vestidos, alojados, visitados, as obras espirituais tocam mais diretamente o nosso ser de pecadores: aconselhar, ensinar, perdoar, admoestar, rezar. Por isso, as obras corporais e as espirituais nunca devem ser separadas”.

Misericórdia e Sagrada Escritura

Os salmos são uma escola de oração, nos quais encontramos a narração da ação misericordiosa de Deus e a necessidade que tem o homem dessa misericórdia; podendo assim contemplar que Deus é misericórdia e que ‘eterna é a sua misericórdia’.

Também quero mencionar umas passagens que para o próprio Santo Padre são muito importantes.

– Vocação de Mateus

Ao passar diante do posto de cobrança dos impostos, os olhos de Jesus fixaram-se nos de Mateus. Era um olhar cheio de misericórdia que perdoava os pecados daquele homem. O Papa Francisco elegeu desde seu ministério episcopal o lema “Miserando atque eligendo”, e ele mesmo comenta:  “Sempre me causo impressão esta frase, a ponto de a tomar para meu lema. Jesus olhou para Mateus com amor misericordioso. São Beda, o Venerável, tomou esta passagem e a interpretou dizendo que Jesus viu um publicano e, no exato momento em que olhou para ele com sentimento de amor e o escolheu, disse-lhe: Segue-me. (…) Gosto de traduzir miserando com um gerúndio que não existe ‘misericordiando’, isto é, dando-lhe misericórdia”.[9]

– O Pobre Lázaro

Diz-nos o Santo Padre na mensagem para a Quaresma: “Lázaro é a possibilidade de conversão que Deus nos oferece e talvez não vejamos. E esta cegueira está acompanhada por um soberbo delírio de omnipotência”.

Lembremos do desenlace trágico deste rico, a quem depois em seus tormentos implorou uma gota d´água e foi-lhe negado; pois nessa ocasião tinha-lhe negado migalhas de seu pão. A passagem do pobre Lázaro e o homem rico é muito boa para fazermos um exame de consciência de quanto realmente somos misericordiosos. O primeiro passo é reconhecer que precisamos de misericórdia, ou seja, reconhecer a nossa cegueira. Assim; como ninguém viu o pobre Lázaro que mendigava à porta da casa, nós também muitas vezes não somos capazes de reconhecer o quanto o mundo precisa que nós sejamos misericordiosos.

Peregrinação e Misericórdia

Na MV, o Santo Padre nos fala sobre a Peregrinação: “A peregrinação é um sinal peculiar no Ano Santo, enquanto ícone do caminho que cada pessoa realiza na sua existência. A vida é uma peregrinação, e o ser humano é viator”.[10] A morte é o fim da peregrinação terrestre do homem, a qual é um tempo de graça e de misericórdia que Deus lhe oferece. Recordemos o que Santo Agostinho em seu livro de civitate Dei (A Cidade de Deus) diz: “a Igreja avança em sua peregrinação por meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus”.

Quaresma e Misericórdia

Na MV num.17, o Santo Padre diz: “a Quaresma deste Ano Jubilar seja vivida mais intensamente como tempo forte para celebrar e experimentar a misericórdia de Deus”. E na mensagem para a Quaresma, o Papa Francisco nos diz: “Portanto a Quaresma deste Ano Jubilar é um tempo favorável para todos poderem, finalmente, sair da própria alienação existencial, graças à escuta da Palavra e às obras de misericórdia”.

Para o tempo de Quaresma, na MV num 17, o Santo Padre também nos propõe a iniciativa ‘24h para o Senhor’. Como, também, na MV num 22, nos fala da importância da Misericórdia e a Confissão: “No sacramento da Reconciliação, Deus perdoa os pecados, que são verdadeiramente apagados; mas o cunho negativo que os pecados deixaram nos nossos comportamentos e pensamentos permanece. A misericórdia de Deus, porém, é mais forte também do que isso”.[12]

Reconheçamos que somos pecadores -como se reconhecia o publicano no templo-, mas também, estejamos desejosos do amor do Senhor e de amar ao Senhor, do amor à Igreja, de amor às nossas comunidades e movimentos, de amor ao nosso carisma por ser uma porção da Igreja, de amor às nossas famílias e amigos. Lembremo-nos que não há ninguém que seja digno de sua vocação. Nossa vocação depende da Misericórdia de Deus e nós somos pecadores perdoados.

Que este Ano Santo seja um tempo para que desde a Misericórdia possamos fazer uma boa revisão, ser mais reconciliados e nos renovar para a missão.

 


Notas

[1] Papa Francisco. Bula Misericordiae Vultus, 10.

[2] Papa Francisco. Bula Misericordiae Vultus, 11.

[3] Colosenses 1, 15: “Cristo é a imagem do Deus invisível”

[4] Papa Francisco. O nome de Deus é Misericórdia, uma conversa com Andrea Tornielli. Editora Planeta. 22p.

[5] Papa Francisco. O nome de Deus é Misericórdia, uma conversa com Andrea Tornielli. Editora Planeta. 19p.

[6] Papa Francisco. O nome de Deus é Misericórdia, uma conversa com Andrea Tornielli. Editora Planeta. 16p.

[7] Papa Francisco. Bula Misericordiae Vultus, 15.

[8] Tiago 2, 26: “Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta”

[9] Papa Francisco. O nome de Deus é Misericórdia, uma conversa com Andrea Tornielli. Editora Planeta. 40-41p.

[10] Papa Francisco. Bula Misericordiae Vultus, 14.

[11] CEC 2691.

[12] Papa Francisco. Bula Misericordiae Vultus, 22.

Nasceu em Lima, Peru, em 1983. Membro do Sodalício de Vida Cristã e mora no Brasil desde 2008. Mestre em Psicologia e Bacharel em Administração. Realizou por alguns anos estudos de Filosofia. Atualmente estuda um Diplomado de Antropologia Cristã da Universidad San Pablo. É membro fundador da Associação Reconciliatio – Psicologia Integral.

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