Caminho para Deus 236: Pode-se viver a fé no mundo atual?

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Hoje, para muitos cristãos, viver a fé no meio do mundo é todo um desafio.  Nunca faltam ocasiões que nos põem à prova e exigem de nossa parte coerência e valentia para manifestar ao mundo o que cremos.  Vergonha, temor, desconforto, e muitas outras experiências humanas às vezes nos impedem de viver segundo quem somos verdadeiramente.  No meio de um mundo carregado de manifestações de uma “cultura de morte” nós, cristãos, temos o desafio de viver com coerência nossas promessas batismais para assim iluminar, com o resplendor da fé em Cristo, um mundo que parece perder-se nas trevas da incredulidade.

O cristão é uma pessoa de fé.  Não se pode ser cristão sem ter-se encontrado com Cristo, pois cristão é quem é “de Cristo”, quem foi marcado com seu selo indelével na água do Batismo.  Nossa fé nasce de um encontro com o Deus vivo manifestado em Jesus Cristo Nosso Senhor.  Deus nos chama e nos revela seu amor para que vivamos com segurança e saibamos sobre quem construímos nossa própria vida.

Quando queremos alicerçar nossa vida sobre o amor de Deus entendemos que a fé não pode ser algo acessório.  O acessório, no fundo, é um detalhe que pode ou não estar presente, sem alterar o importante.  Com a fé não é assim.  A existência do cristão deve estar fundamentada em Deus, naquele que nos concedeu o dom da fé e a quem respondemos com a adesão sincera e coerente da própria vida[1].

Quando entramos em um quarto que está às escuras, a princípio é pouco o que podemos ver.  Inclusive quando nossos olhos se acostumam à escuridão, não conseguimos ver com clareza o que há.  Tudo muda quando abrimos as cortinas e janelas, ou acendemos a luz.  Então tudo fica iluminado, e podemos ver com clareza.  De maneira análoga, a luz da fé ilumina nossa existência.  A fé ilumina todo o homem: sua inteligência, sua vontade, seus afetos, suas emoções, sua história, seus desejos, seu futuro definitivo.

Assim como não há nada no homem que a luz da fé não ilumine, seria absurdo pensar que pode haver só “uma parte de mim” que é cristã.  O encontro com Deus é total e, portanto, é toda a pessoa que se encontra com Deus e a quem Deus transforma.  Por isso acreditamos em Deus com a mente, aderimos a Ele com o coração e procuramos viver segundo seus ensinamentos na ação.

De igual modo, a fé «ilumina também as relações humanas, porque nasce do amor e segue a dinâmica do amor de Deus.  O Deus digno de fé constrói para os homens uma cidade confiável»[2].  Não há realidade humana que seja alheia à fé, pois o amor de Deus ilumina tudo o que existe.  É por isso que, não só o homem, mas também toda a realidade encontrará em Deus seu sentido último: «Eu sou a luz do mundo; quem me segue não caminhará na escuridão, mas terá a luz da vida»[3].

O mundo atual

Poderíamos descrever o tempo atual como um tempo cheio de contrastes e contradições.  Em alguns lugares do mundo se deu passos para uma maior fraternidade, solidariedade e reconciliação.  Hoje são muitos os que velam pelo respeito dos direitos humanos, pela liberdade religiosa, pela solidariedade com o mais necessitado, pela paz mundial, pelo cuidado com a criação.  Em distintas partes do planeta vão florescendo inumeráveis “sinais de esperança” que permitem sonhar com um mundo melhor.  Mas também sabemos que, como afirmou o Papa Francisco, com frequência os homens se deixam guiar por ideologias e lógicas que são ditadas «pelo egoísmo, pelo próprio interesse, pelo lucro, pelo poder, pelo prazer, e não são ditadas pelo amor, pela busca do bem do outro»[4].

Também vemos que há muitos cristãos imersos em um agnosticismo funcional onde, embora digam acreditar em Deus, vivem como se Deus não existisse.  Esta triste realidade cria uma profunda ruptura entre a vida cotidiana do cristão e a fé.  Assim muitos são “cristãos” na vida privada, mas na vida pública são homens e mulheres “do mundo”, vivendo segundo o mundo e não segundo Deus.  Quantas vezes, infelizmente, estas pessoas em nada se distinguem de quem vive de costas para Deus.

A Igreja não é indiferente ao mundo de hoje

A Igreja não se cansa de repetir que as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de nosso tempo, sobretudo dos pobres e de quantos sofrem, são também alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos discípulos de Cristo[5].  Isso requer, porém, que os batizados não reduzam sua fé à vida privada.  Não se pode ser uma pessoa diante de Deus e outra diante dos homens, e a Igreja — que somos nós, todos os batizados — requer que esse compromisso alcance todos os rincões da vida.

Estando chamado a viver no meio do mundo, o cristão deve permitir que sua fé impregne toda a sua existência para que possa iluminar com a luz de Cristo os que vivem nas trevas: «Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte. Ninguém acende uma lamparina para colocá-la debaixo de um cesto. Pelo contrário, ela é colocada no lugar próprio para que ilumine todos os que estão na casa. Assim também a luz de vocês deve brilhar para que os outros vejam as coisas boas que vocês fazem e louvem o Pai de vocês, que está no céu.»[6].

Estando no meio do mundo, a vida do cristão se vê iluminada com o testemunho que o próprio Senhor Jesus deu no meio de nós: «Eu vim ao mundo como luz para que quem crê em mim não fique na escuridão. Se alguém ouvir minhas palavras e não as praticar, eu não o julgo. Pois eu vim para salvar o mundo e não para julgá-lo»[7].  As palavras do Senhor nos convidam a viver nossa fé sem medos, e sem cair na tentação de diluir aqueles aspectos que são particularmente sinais de contradição em nosso tempo.

Ser sinais de contradição no mundo atual

Viver no meio do mundo, sem ser do mundo, é um chamado exigente.  Sabemos que como Igreja nada do humano nos é alheio e, portanto, devemos procurar que a luz de Cristo ilumine cada rincão do mundo e a vida das pessoas.  Quantos homens e mulheres vivem nas trevas em nossas cidades, tão perto de muitos cristãos, e esperam ansiosos a salvação de Deus.  E quantos outros por preconceitos, por seus próprios pecados, ou pelo mau testemunho de alguns cristãos, já não querem receber o Evangelho da Reconciliação.

É por isso que o cristão não só deve viver sua fé no mundo atual, como também deve fazê-lo integralmente: pensando como cristão, sentindo como cristão e atuando como cristão.  Isso nos levará, muitas vezes, a sermos sinais de contradição.  Devemos recordar as palavras que o próprio Senhor Jesus dirigiu a seus discípulos: «Eu digo isso para que, por estarem unidos comigo, vocês tenham paz. No mundo vocês terão problemas; mas tenham coragem! Eu venci o mundo»[8].

Apesar dos desafios, não devemos temer pois sabemos que em Cristo teremos a vitória.  Sigamos as palavras que o Papa Francisco dirigiu aos jovens exortando-os a ir contracorrente: «Não tenham medo de ir contracorrente, quando nos querem roubar a esperança, quando nos propõem estes valores que estão danificados, valores como a comida estragada e quando uma comida está estragada, nos faz mal; estes valores nos fazem mal. Devemos ir contracorrente! E vocês, jovens, sejam os primeiros: vão contracorrente e tenham este orgulho de ir contracorrente. Avante, sejam corajosos e vão contracorrente! E sejam orgulhosos de fazê-lo!»[9].

Assim como o Senhor nos convida a não ter medo, também nos chama a nos prepararmos para sermos suas testemunhas e perseverarmos até o fim.  Pede-nos uma vida espiritual sólida, anima-nos a buscar os sacramentos com frequência, indica-nos o horizonte da amizade em Cristo para caminhar junto aos outros irmãos e irmãs na fé pelo caminho da santidade.  Conhecer e estudar a fé, saber as razões que fundamentam nossa esperança, comunicá-la e explicá-la com a consciência do formoso dom que temos, são também atitudes que hoje o mundo necessita e deseja com urgência, mesmo que muitas vezes não o reconheça.  Como dizia o Papa: «Avante, sejam corajosos e vão contracorrente! E sejam orgulhosos de fazê-lo!»[10]

Notas

[1] Ver Francisco, Lumen Fidei, 1.

[2] Francisco, Lumen Fidei, 50.

[3] Jo 8,12

[4] Papa Francisco, Homilia na Santa Missa pela Jornada da Evangelium Vitae, 16/6/2013.

[5] Ver Gaudium et spes, 1

[6] Mt 5,14-16

[7] Jo 12,46-47.

[8] Jo 16, 33

[9] Francisco, Ângelus, 23/6/2013

[10] Ali mesmo.

Passagens Bíblicas para a Oração e Meditação

Estamos no mundo: Jo 13,1; 17,11.

Entretanto não somos do mundo: Jo 15,19; 17,14.16.

O mundo como inimigo do Plano de Deus: Gen 6,5.12; Mt 13,22; Rom 1,18-32.

Não se trata de “sair do mundo”: Jo 17,15; 1Cor 5,9-10.

Não nos acomodar ao mundo presente: Rom 12,2; Ef 4,22-24.

Enviados a dar testemunho da verdade: Jo 18,37; 1Jo 5,20.

O Senhor venceu ao mundo, e anima a não desfalecer: Jo 16,33; 1Jo 4,4; 5,4-5.

Perguntas para o diálogo

  1. Que características o mundo de hoje tem que se opõem à fé?
  1. Para você, quais são os maiores obstáculos para viver sua fé na vida cotidiana?
  2. O que você pode fazer para viver e anunciar melhor sua fé?

Trabalho de interiorização

 

  1. Leia e medite:

«Eu digo isso para que, por estarem unidos comigo, vocês tenham paz. No mundo vocês vão terão problemas; mas tenham coragem! Eu venci o mundo.» (Jo 16,33)

  • O que lhe dizem estas palavras do Senhor Jesus?
  • Que tipo de “problemas” enfrentam os cristãos em nosso tempo?
  1. Leia com atenção as seguintes palavras do Papa Francisco:

«Devido precisamente à sua ligação com o amor (cf. Gl 5, 6), a luz da fé coloca-se ao serviço concreto da justiça, do direito e da paz. A fé nasce do encontro com o amor gerador de Deus que mostra o sentido e a bondade da nossa vida; esta é iluminada na medida em que entra no dinamismo aberto por este amor, isto é, enquanto se torna caminho e exercício para a plenitude do amor. (…) Por isso, a fé é um bem para todos, um bem comum: a sua luz não ilumina apenas o âmbito da Igreja nem serve somente para construir uma cidade eterna no além, mas ajuda também a construir as nossas sociedades de modo que caminhem para um futuro de esperança. (Francisco, Lumen fidei, 51)

  1. Na sua opinião, qual é a conexão entre a fé e o amor?
  2. O que significa, segundo estas palavras do Papa, que a fé é seja um “bem comum”?
  3. Como você pode fazer para que a fé ajude a edificar nossa sociedade?
  1. Escreve uma oração pedindo ao Senhor te ajude viver a fé no mundo atual.

 

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