Caminho para Deus 223 – O que é o exame de consciência?

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O Senhor Jesus, no início de sua pregação, fez uma exortação que sempre deve ressoar no coração de todo cristão: «Convertam-se»[1].

Converter-se significa ser cada vez mais como Jesus: pensar como Ele, sentir como Ele, atuar como Ele.  Por isso a conversão nunca é um trabalho terminado e sim um esforço progressivo e contínuo.  Sempre poderemos crescer nesse horizonte formoso de configuração com Jesus, nosso modelo.  E quando nos compararmos com Ele, constataremos que ainda há muito por fazer em nossa pessoa.  Nunca ninguém poderá dizer “já estou totalmente convertido”.

Embora o batismo tenha apagado em nós o pecado original que herdamos de Adão e Eva, não eliminou nossas debilidades e a inclinação para o pecado.  Por isso nossa vida aqui na terra implicará em um contínuo esforço, uma luta, que na Igreja chamamos de “combate espiritual”.

São Paulo nos ensina como enfocar nosso combate pessoal: despojar-nos, desfazer-nos de uma série de condutas e vícios, e revestir-nos de virtudes e atitudes próprias dos filhos de Deus[2].  É uma dupla ação: arrancar de cima de nós toda obra má, pecaminosa, que nos estorva, e adornar-nos com a vida boa de Cristo.  Assim, despojados do homem velho com suas obras, ter-nos-emos revestido do homem novo[3].  E o Homem novo é Jesus Cristo.  Portanto, nosso ponto de referência é sempre o Senhor Jesus.  Ele é a medida com a qual discernimos do que temos que nos despojar e do que temos que nos revestir.

Para avançar nesse combate contamos principalmente com a ajuda de Deus, com sua graça, sem a qual todo esforço acaba sendo estéril.  Como nos ensinava o Beato João Paulo II: «A conversão é fruto da graça.  O Espírito é que impele cada um a « cair em si mesmo » e a sentir a necessidade de regressar à casa do Pai»[4].

Recebemos esta ajuda divina em primeiro lugar por meio dos Sacramentos da Igreja, que nos fortalecem e alimentam da vida de Jesus; temos também os meios espirituais que a Igreja nos recomenda para crescer na vida espiritual como, por exemplo, a oração (em suas diversas formas e métodos), o amor a Maria recorrendo a sua intercessão, o conselho de irmãos e irmãs que estão mais avançados na vida cristã, etc.  Dentro destes meios, está o exame de consciência.

O que é o exame de consciência? 

João Paulo II dizia: «O exame de consciência constitui um dos momentos mais qualificantes da existência pessoal. Por ele, de fato, cada pessoa é confrontada com a verdade da própria vida; e descobre assim a distância que separa as suas ações do ideal que se tinha proposto»[5].

Este “momento determinante da existência pessoal” implica, pois, cair em si mesmo.  Aí temos uma chave importante.  O processo de conversão convida a ter um grau suficiente de consciência da própria realidade.  Do contrário, como saberemos do que temos que nos despojar e do que temos que nos revestir?  Pois bem, como o Papa diz, esse “cair em si mesmo” é obra do Espírito.  Por isso é fundamental que façamos o exame de consciência na presença de Deus, em um clima de oração, abertos à ação de seu Espírito.

O exame de consciência deve levar-nos, então, a ir crescendo em um conhecimento veraz e autêntico de nós mesmos.  Como ensina Bento XVI, é um exercício que «tem um valor pedagógico importante: educa a contemplar com sinceridade a própria existência, a confrontá-la com a verdade do Evangelho e a valorizá-la com parâmetros não só humanos, mas também tirados da Revelação divina»[6].

O que significa isto?  Significa que o exame de consciência não é somente um esforço de introspecção psicológica, ou um gesto intimista que fica encerrado no perímetro de nossa consciência, abandonada a si mesma.  É, sobretudo, confrontação.  Confrontação com o que?  Confrontação com a lei moral que Deus imprimiu no coração do homem no momento de criá-lo, com essa lei que Cristo assumiu e aperfeiçoou com seu preceito do amor (ver 1Jo 3,23), e que a Igreja não cessa de aprofundar e atualizar com seu ensinamento; confrontação com o próprio Senhor Jesus que, sendo Filho de Deus, quis assumir nossa condição humana para carregar nossos pecados e vencê-los com sua Morte e sua Ressurreição[7].

Ao nos confrontar com a verdade do Senhor poderemos ver mais claramente o que é essencial em nossa vida e o que é acessório ou desnecessário.

Santo Agostinho nos dá um sábio conselho: «Avancem, meus irmãos; examinem-se continuamente sem enganar-se, sem adular-se.  Ninguém há contigo em teu interior diante do que te envergonhe ou te gabe.  Ali há alguém, mas a esse agrada a humildade; seja Ele quem te prove.  Mas faça isso também você mesmo.  Quando disseres: “é suficiente”, então pereceste.  Acrescenta sempre algo, caminha continuamente, avança sem parar; não pares no caminho, não retrocedas, não te desvies.  Quem não avança, está parado; quem volta para lugar de onde tinha partido, retrocede»[8].

Dois tipos de exame

A espiritualidade da Igreja nos ensina que há pelo menos duas formas de exame de consciência: aquele que nos ajuda a nos prepararmos para a confissão sacramental e o que podemos realizar como um exercício espiritual cotidiano.

Sobre a primeira forma, o Papa Bento XVI faz uma pedagógica síntese que nos ajuda a situar o exame de consciência.  Recorda-nos que depois de um esmerado exame de consciência, o amor e a misericórdia de Deus movem nosso coração para ir ao ministro de Cristo, o sacerdote.  Quando nos aproximamos dele nos aproximamos do próprio Cristo e lhe expressamos a dor pelos pecados cometidos, com o firme propósito de não voltar a pecar mais no futuro, dispostos a aceitar com alegria os atos de penitência que ele nos indique para reparar o dano causado pelo pecado[9].

No segundo caso, trata-se de uma prática espiritual metódica e periódica, que ajuda a nos conhecermos, a adquirir consciência de como estamos em nosso combate espiritual, de como vamos avançando em relação ao que Deus nos pede, em que nos falta trabalhar e em que estamos avançando.  É muito salutar e recomendável fazê-lo diariamente.

Recomendações

É de particular importância que compreendamos que o primeiro passo do exame de consciência é colocar-se na presença de Deus.  Por se tratar de uma atividade espiritual, é fundamental que invoquemos sua presença para que a luz do Espírito nos ilumine e possamos discernir sob essa luz.

No exame de consciência cotidiano, feitos na presença de Deus, é muito recomendável que comecemos por elevar um ato de gratidão a Deus pelo dia que vivemos.  Este meio pode nos ser de grande ajuda para tomar consciência dos dons de Deus, começando pelo dom da própria vida, de sua presença e ação em nossa vida, e de tantas outras graças que recebemos e das quais talvez não sejamos conscientes.  Junto com isso, pode-se fazer uma confrontação de nossas ações no dia com o ideal de santidade, com o Plano de Deus, com o estado de vida de cada um, pedindo perdão a Deus por tudo aquilo em que nos tenhamos afastado de seus ensinamentos e de seu amoroso Plano, e renovando nossas intenções.

Entretanto, é muito importante não ficar em uma mera contagem de atos ou feitos.  Tem-se que chegar, à luz da Palavra de Deus, às disposições mais interiores, mais profundas, que muitas vezes estão atrás dos fatos.  As intenções, as motivações, os hábitos que nos movem a atuar devem ser objeto deste exame cotidiano feito na presença de Deus.

Alguns autores espirituais recomendam também a prática de exames particulares.  O que são estes?  Consiste em enfocar-se sobre um ponto particular de nosso combate espiritual.  Pode ser este um vício a erradicar, uma virtude na qual crescer, etc.

Como em muitas outras coisas da vida espiritual, é muito recomendável recorrer ao acompanhamento de uma pessoa prudente, mais adiantada que nós no caminho espiritual, para que nos oriente sobre a metodologia de exame de consciência que melhor se aplique a nossa realidade pessoal.

Citações para a oração

  • Caminhar à luz de Deus e reconhecer os pecados: 1Jo 1,7-10; Sal 50,5.
  • Despojar-nos do homem velho e revestir-nos do homem novo: Col 3,5-17.
  • Chamado à conversão: Mc 1,15.
  • Chamado a examinar a consciência: 1Cor 11,28.
  • Examinar os espíritos: 1Jo 4,1-3.

Perguntas para o diálogo

1.   O que o exame de consciência é para mim? Que lugar tem em minha vida espiritual?

2.   Como preparação para a confissão, faço bem o exame de consciência? Entendo sua importância?

3.   Faço exame de consciência como exercício espiritual cotidiano? Como posso utilizar melhor este meio espiritual?

4.   Tenho algum modo concreto de exame de consciência?

Trabalho de interiorização

1.   «O sinal sacramental desta transparência da consciência é o ato tradicionalmente chamado de exame de consciência, ato que sempre deve ser não uma ansiosa introspecção psicológica, mas a confrontação sincera e serena com a lei moral interior, com as normas evangélicas propostas pela Igreja, com o próprio Jesus Cristo, que é para nós mestre e modelo de vida, e com o Pai celestial, que nos chama ao bem e à perfeição» (João Paulo II, Reconciliatio et Paenitentia, 31).

O que significam estas palavras do Papa em relação ao exame de consciência?

2.   Leia o seguinte texto:

«O mero conhecimento dos atos não me levará nunca ao conhecimento cabal de minha alma; jamais chegarei a fazer, somente por eles, um verdadeiro exame de “consciência”, no sentido profundo desta palavra.  Seu conhecimento pode me servir, é verdade, e é às vezes até necessário, mas é preciso penetrar mais fundo.  A consciência é o que há de mais íntimo e mais secreto em mim; é o santuário do templo.  Se verdadeiramente quero fazer o exame de minha consciência é necessário penetrar neste segredo interior, é preciso visitar este santuário.  E o que mora neste santuário são os hábitos, as disposições da alma: quando eu os conhecer conhecerei a estado de minha alma, de outra maneira não.  Aqui é o lugar onde as investigações do exame de todo aquele que queira adiantar-se na vida espiritual devem levar.» (Josef Tissot, A vida interior, 31).

Como estas reflexões iluminam sua compreensão do exame de consciência?



[1] Mc 1,15.

[2] Ver Col 3,5-17.

[3] Col 3,10.

[4] S.S. João Paulo II, Incarnationis mysterium, 11.

[5] S.S. João Paulo II, Incarnationis mysterium, 11.

[6] S.S. Bento XVI, 25/3/2011.

[7] Ver S.S. João Paulo II, 14/3/1984, 3.

[8] Santo Agostinho, Sermão 169, 18.

[9] Ver S.S. Bento XVI, 29/3/2007.

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