Caminho para Deus 210 – A Direção de São Pedro: Um caminho espiritual

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Muitos de nós, quando queremos algo com muito afinco, colocamos todos os meios e esforços necessários para alcançar este objetivo. Se a meta é grande, inclusive pensamos estratégias e formas de agir a fim de alcançar com maior facilidade o que buscamos. Algo similar acontece com a vida cristã. Nossa meta – como bem sabemos – é alcançar a santidade. Ou seja, configurar-nos com o Senhor Jesus e alcançar a plenitude da caridade. No entanto, muitas vezes erramos nos caminho e somos negligentes em responder ao Senhor. Se para alcançar bens materiais e muitas vezes efêmeros colocamos tanto empenho, porque não fazer o mesmo para alcançar a santidade? Como sabemos bem, por experiência, não se trata apenas de nosso esforço e empenho. É necessário atuar com inteligência. Ou seja, implica ter um caminho, um método que nos ajude a alcançar nossa meta.

Agora, é necessário fazer aqui uma precisão muito importante: pela natureza do fim que perseguimos na vida cristã, conseguir a meta da santidade não depende somente de nosso esforço. Pelo contrário, o fundamental é a graça que Deus derrama sobre nós, e sem a qual nada poderíamos fazer para avançar nesse caminho à santidade. Sabemos que a iniciativa é de Deus e que devemos cooperar com essa graça divina. Trata-se, então, de ser inteligentes e organizados em nossa luta pela santidade, canalizar nossos esforços para crescer passo a passo, permitindo que a força divina vá desenraizando os vícios próprios de nosso homem velho e revestindo-nos do homem novo [1].

Um método para crescer em santidade

Em sua Segunda Carta, São Pedro nos propõe precisamente um método para avançar passo a passo pelo caminho da santidade. A espiritualidade sodálite tem procurado aprofundar neste caminho espiritual proposto pelo Apóstolo, a quem Jesus elegera como rocha da fé e cabeça da Igreja. Esta Direção de São Pedro, como vem sendo chamada esta passagem, encontra-se em 2Pe 1,1-11, e nos convida a ser «participantes da natureza divina» [2], «aplicar toda diligência» para o crescimento nas virtudes, e poder ter, assim, «ampla entrada» no Reino eterno. A Direção de São Pedro, é importante ressaltar, é um caminho cristocêntrico. Ou seja, «partindo da fé, conduz ao encontro com o Senhor Jesus, tem Cristo como centro de toda sua dinâmica, e tem como fim a configuração com Ele, o que significa a harmonia de nossas faculdade, de todo nosso ser em sentido integral, em suas dimensões corporal, psicológica e espiritual»[3].

A passagem da carta em que encontramos a Direção de São Pedro é de grande profundidade e riqueza. Lembra-nos que por meio da graça «nos foram dadas preciosas e grandíssimas promessas» [4]. De que promessas fala o Apóstolo? Fala-nos de que não seremos nem «inúteis nem infrutíferos no conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo» [5]. Diz-nos que «agindo desse modo, não tropeçareis jamais» e que «será outorgada generosa entrada no Reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo» [6]. Na verdade, são belas promessas, que todos desejamos. São Pedro nos fala também da necessidade de fugir da «corrupção que prevalece no mundo como resultado das concupiscências» [7], uma vez que ela nos prova e dá lugar ao pecado em nós.

Trata-se, portanto, de um caminho no qual Deus nos dá a força necessária, nos acompanha no combate espiritual e nos convida a cooperar com a ação do Espírito para dar frutos de santidade em nossa vida. Como lembra o Catecismo da Igreja Católica, «o mérito do homem perante Deus, na vida cristã, provém do fato de que Deus dispôs livremente associar o homem à obra da sua graça. A ação paterna de Deus é primeira, pelo seu impulso, e o livre agir do homem é segundo, na sua colaboração; de modo que os méritos das obras devem ser atribuídos à graça de Deus, primeiro, e depois ao fiel» [9]. Essa cooperação com a graça se dá, de modo concreto, no empenho que devemos colocar para avançar no caminho da virtude.

De virtude em virtude

Todo método tem passos, uma sequencia, um caminho com etapas. No caso da Direção de São Pedro, os passos que propõe nos ajudam a responder com ordem e sentido à graça que Deus derrama sobre nós. Deste modo, nossos esforços serão mais bem orientados, e poderemos avançar com maior segurança em direção à meta para a qual o Senhor nos chama. Estes passos, ou degraus, são uma série de virtudes interconectadas entre si, originada na fé e cuja meta é a caridade. A Direção de São Pedro tem como núcleo os versículos 5 ao 7, onde o Apóstolo nos sugere, a partir da fé, uma autêntica escada espiritual, que tem como passos a virtude, o conhecimento, a temperança ou autodomínio, a tenacidade ou paciência nutrida de esperança, a piedade, o amor fraterno e a caridade. Esses são os passos que devemos dar, os degraus pelos quais vamos subindo até a meta: a perfeição da caridade [10]. São virtudes chaves na vida cristã, a tal ponto que – nos diz São Pedro – «quem não as possui é um cego, um míope: está esquecido da purificação dos seus pecados de outrora» [11].

Aplicando toda a diligência

É importante lembrar que São Pedro nos convida a colocar toda nossa diligência [12] neste caminho espiritual. Se cooperamos com a graça divina, abrindo-nos à força transformadora do Espírito Santo, alcançaremos as virtudes mencionadas por São Pedro, tendo-as «em abundância» [13]. Lembremos que o Apóstolo nos pede fugir da concupiscência. Isso, por si só, já implica uma decisão livre e consciente de nossa parte e é consequência do compromisso que assumimos com Deus em nosso Batismo de renunciar a Satanás e a todas suas seduções. Agora, sabe-se que em uma viagem não basta evitar as estradas ruins, é preciso avançar pelo bom caminho, percorrer as boas estradas. Da mesma forma, no esporte não basta não se lesionar, ou não perder a concentração, é fundamental fortalecer-se, adquirir e melhorar as habilidades, elaborar estratégias.

Neste sentido, São Pedro nos exorta: «aplicar toda a diligência» [14]. Nosso empenho, em comparação com a força de Deus, pode parecer algo pouco significativo. No entanto, não é autenticamente cristã uma atitude passiva, indiferente frente a generosa graça de Deus. A terra boa da qual nos fala Jesus em sua parábola [15] se faz fértil pela escuta da Palavra de Deus e por colocá-la em prática, de modo que a semente de salvação que ela porta possa crescer e dar frutos cem por um. Portanto, junto com a convicção de que primeiro está sempre a graça de Deus, devemos colocar tudo o que estiver a nosso alcance para que essa graça não caia em saco furado.

Interiorizemos a exortação de São Pedro: «Por isto mesmo, irmãos, procurai com mais diligência consolidar a vossa vocação e eleição, pois, agindo deste modo, não tropeçareis jamais» [16]. A Direção de São Pedro é um caminho espiritual que nos convida a colocar toda nossa diligência em cooperar com a graça de Deus. Assim, passo a passo, transformados interiormente pelo Espírito divino, iremos despojando-nos de nossos vícios e pecados – do homem velho – e revestindo-nos das virtudes do homem novo que é Cristo, até alcançar Nele a perfeição da caridade.

CITAÇÕES PARA MEDITAR

  • A Direção de São Pedro: 2Pe 1,1-11
  • Ser participantes da natureza divina: 1Jo 4,8.16; 2Pe 1,4b; Ef 1,3-13
  • Alcançar a semelhança com Cristo: Col 1,15; Rom 8,29
  • Crescer até a plenitude da caridade: 1Cor 13; Jo 15,12-13; Flp 2,5ss
  • Fugir da concupiscência: 2Pe 1,4c; Sab 4,1; Tg 1,14-15; 1Jo 2,16-17
  • Despojar-nos do homem velho e revestir-nos do homem novo: Col 3,5-17; Ef 4,17-32
  • Aplicar toda a diligência: 2Pe 1,5.10a; 2Tim 2,4-6; 1Cor 9,25

PERGUNTAS PARA O DIÁLOGO

  1. Sou consciente de que minha vida espiritual necessita uma ordem, uma estratégia, um método?
  2. O que é a Direção de São Pedro? De que forma pode me ajudar no caminho à santidade? Conheço as virtudes que São Pedro me recomenda viver?
  3. Confio nas promessas divinas? Sou consciente de tudo o que o Senhor Jesus fez e faz por minha salvação?
  4. Que tanto me esforço por cooperar com a graça que o Senhor sempre está derramando em meu coração? Que tanto me esforço por viver as virtudes da Direção de São Pedro?
  5. Estou disposto a viver os meios necessários para alcançar a santidade, colocando toda minha diligência nessa tarefa?

INTERIORIZANDO

« A virtude é uma disposição habitual e firme para praticar o bem. Permite à pessoa não somente praticar atos bons, mas dar o melhor de si mesma. A pessoa virtuosa tende para o bem com todas as suas forças sensíveis e espirituais; procura o bem e opta por ele em atos concretos. O fim duma vida virtuosa consiste em tornar-se semelhante a Deus.» (Catecismo da Igreja Católica, n.1803 b)

  • Que tão virtuosa é minha vida? Ou seja, que tão habitual e firme é minha disposição por fazer o bem?
  • Dou o melhor de mim mesmo nas atividades da vida cotidiana? Escolho sempre o bem?
  • Sou consciente de que posso chegar a ser semelhante a Deus, se é que coopero com sua graça por meio de boas obras?

«Com a ajuda de Deus [as virtudes] forjam o caráter e facilitam a prática do bem. O homem virtuoso sente-se feliz ao praticá-las. Não é fácil, ao homem ferido pelo pecado, manter o equilíbrio moral. O dom da salvação, que nos veio por Cristo, dá-nos a graça necessária para perseverar na busca das virtudes. Cada qual deve pedir constantemente esta graça de luz e de força, recorrer aos sacramentos, cooperar com o Espírito Santo e seguir os seus apelos a amar o bem e acautelar-se do mal. » (Catecismo da Igreja Católica, n. 1810b-1811)

  • Tenho consciência da força negativa do pecado em minha vida? Estou disposto(a) a romper com o pecado? Realmente renunciei Satanás e todas as suas seduções? Amo o bem e me guardo do mal?
  • Peço a Deus sua ajuda para viver as virtudes? Anseio forjar meu caráter de tal forma que eu possa ter “facilidade na prática do bem”?
  • Recorro aos sacramentos da Reconciliação e Eucaristia para receber a graça divina necessária para avançar no caminho das virtudes? Que meios devo colocar para fazê-lo com constância?

Com relação ao convite de percorrer uma escada espiritual de virtudes, São Beda, o Venerável, comenta que São Pedro «nos chama seriamente a realizar todo esforço nisso, porque a pessoa que é mole ou negligente em seu trabalho fica amigo daquele que destrói suas obras»[17]. Por sua parte, um ancião Padre do Deserto advertia que: «Não avançamos na virtude porque não conhecemos nossas limitações e porque não temos paciência nas obras que empreendemos. Queremos alcançar a virtude sem esforço algum»[18].

  • Sou mole e negligente em meu trabalho por conquistar a santidade? Sou consciente de que “aquele que nãoa vança retrocede”?
  • Conheço minhas limitações? Que tanto vivo a humildade e sou paciente comigo mesmo (a)?
  • Estou disposto(a) a pedir ajuda a pessoas idôneas em vistas a desenterrar de minha vida os vícios e pecados? Com sinceridade, ponho toda minha diligência na vivência da Direção de São Pedro?                                          

 

_______________________________________________

[1] Ver Col 3,5-17; Ef 4,17-32

[2] 2Pe 1,4

[3] Kenneth Pierce, La escalera espiritual de San Pedro, Fondo Editorial, Lima 2010, pp. 72-73

[4] 2Pe 1,4a

[5] 2Pe 1,8

[6] 2Pe 1, 10b-11

[7] 2Pe 1,4c

[8] Ver Sab 4, 1; Tg 1, 14-15; 1Jo 2, 16-17

[9] Catecismo da Igreja Católica, n. 2008

[10] Sobre cada uma das virtudes e sua progressão, ver Caminho para Deus 211

[11] 2Pe 1,9

[12] Ver 2Pe 1,5

[13] 2Pe 1,8

[14] 2Pe 1,5

[15] Ver Mc 4,29 y paralelos

[16] 2Pe 1,10

[17] São Beda o Venerável, On the Seven Catholic Epistles, Cistercian Publications, Kalamazoo 1985, p. 127.

[18] Sentencias de los Padres del Desierto, Desclée de Brouwer, Bilbao 1988, pp. 120-121. 3.

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